De modo geral, a palavra jornalismo significa, hoje, todas as formas
quais e pelas quais as notícias e seus comentários chegam ao público. Todos os
acontecimentos mundiais, desde que interessem ao público, e todo o pensamento,
ação e ideias que esses acontecimentos estimulam, constituem o material básico
para o jornalista. As definições diferem de acordo com os pontos de vista
segundo os quais são formuladas. Para o cínico, jornalismo é meramente um
comércio; para o idealista, revela-se como uma responsabilidade e um
privilégio. Veja-se, abaixo, como o jornalismo pode ser abordado:
1. A natureza do jornalismo
Os estudos sobre jornalismo possuem destaque entre as
investigações realizadas no campo da comunicação, tendo lugar central na
constituição das problemáticas deste mesmo campo, como aponta Christa Berger
(2002). No universo comunicacional, os fenômenos jornalísticos são importantes
para pensarmos a comunicação no que lhe há de conversacional ou interacional,
contextualizando-a na esfera da produção industrial de diversos conteúdos,
transmitidos e distribuídos “[...] através de sofisticadas tecnologias, com a
função de nortear tanto a organização social quanto o convício social” (BERGER,
2002, p. 139).
Segundo
Felipe Pena (2005), o jornalismo está intimamente ligado à necessidade humana
de conhecer. “Afirmo que a natureza do jornalismo está no medo. O medo do
desconhecido, que leva o homem a querer exatamente o contrário, ou seja,
conhecer. E assim, ele acredita que pode administrar a vida de forma mais
estável e coerente, sentindo-se um pouco mais seguro para enfrentar o cotidiano
aterrorizante do meio ambiente. Mas, para isso, é preciso transpor limites,
superar barreiras, ousar” (2005, p. 23).
Nesse
sentido, quando falamos de jornalismo, falamos de uma prática discursiva
especializada de produção e transmissão de saber. Diferentemente de um relato
de viagem ou de pesquisa, o texto jornalístico possui uma maneira ímpar de
registrar e contar sobre o que ele conhece ou busca conhecer. Tal discurso é
responsável por realizar uma leitura da realidade, atuando de forma a colaborar
na constituição do liame social. Seja através da informação, seja através da
análise da mesma, o discurso jornalístico assume funções que lhe são
socialmente atribuídas e, com isso, incorpora uma série de expectativas (e
acordos) por parte daqueles que o produzem e também – ou principalmente – por
parte daqueles que o recebem.
O
discurso jornalístico sacia um desejo social: o de trocar informações e,
conseqüentemente, o de manter-se informado. Os “produtos jornalísticos”
permitem aos sujeitos saber o que acontece, situar-se no espaço e no tempo;
possibilitam um compartilhamento de um mesmo universo de valores e, com isso,
promovem um constante posicionamento subjetivo e intersubjetivo no interior da
sociedade.
Independentemente do veículo, do tipo de jornalismo, no interior
de várias e distintas construções lingüísticas e formas de representação, não
se perde de vista que o jornalismo, sempre, “[...] informa, narra, desvela o
mundo.” (BERGER, 2002, p. 139). O jornalismo, no entanto, não está voltado para
a “estabilidade” deste mundo. O ponto de convergência entre ambos está, na sua
origem, naquilo que irrompe no cotidiano, naquilo que se destaca ou deve ser
destacado de uma certa entropia.
Nesse sentido, a relação entre o jornalismo e a sociedade se dá de
forma dinâmica e opera conseqüentemente na dinâmica existente em cada um desses
âmbitos. Estamos dizendo aí de uma relação de comunicação, de trocas de
sentidos e signifi cados, inseridos num processo circular que envolve produção
e recepção, transmissões e leituras.
2. O jornalismo como técnica (Adelmo Genro)
Essa vertente baseia-se na visão funcionalista do jornalismo e
reduz o seu conceito ao domínio técnico da profissão e a sua capacidade de
reportar a informação, desconsiderando-o como campo de produção científica.
Essa visão é originária da Escola de Chicago surgida na década de 1910 e
caracterizada pela busca de uma ciência social sob base empírica.
Entre seus teóricos, destacam-se Robert Park e Harold Lasswell.
Enquanto Park cuidava dos aspectos sistêmicos da sociedade para compreender a
prática jornalística interrogando-se sobre sua função de assimilaridade,
Lasswell dedicava-se à compreensão da propaganda, iniciando seu trabalho ao
analisar a 1ª Guerra Mundial, cujo resultado foi o conceito pioneiro da
corrente da Mass Communication Research. Lasswell via a propaganda como
um meio de difundir a democracia e promover a adesão da população.
Essa crença de poder total da mídia é o que serve de essência à
Mass Communication Research. Entre os dois autores, há uma preocupação comum:
analisar a função da comunicação. Essa análise é o que caracteriza a sociologia
funcionalista dessa escola norte-americana, estimulada pela fórmula-frase de
Lasswell: Quem diz o quê, por que canal e com que efeito? As funções da comunicação, em Lasswell, correspondem à
percepção do meio e tudo o que diz respeito a uma comunidade e suas partes, às relações
entre os membros da sociedade com vistas à produção de respostas ao meio e à
herança social. A essas funções acrescenta-se ainda o entretenimento, conforme
outros dois teóricos dessa mesma escola, Merton e Lazarsfeld.
Autores como Adelmo Genro Filho questionam a maneira tecnicista de
explicação da prática jornalística cotidiana: “Não obstante, sob o ângulo
epistemológico – que é o fundamental – a pirâmide invertida deve ser revertida,
quer dizer, recolocada com os pés na terra. Nesse sentido, a notícia caminha
não do mais importante para o menos importante (ou vice-versa), mas do singular
para o particular, do cume para a base. O segredo da pirâmide é que ela está
invertida, quando deveria estar como as pirâmides seculares do velho Egito: em
pé, assentada sobre sua base natural.” (GENRO, 1987, P. 191).
Assim,
ele discute o mito da pirâmide, até então sustentado na história já conhecida
da influência das agências de notícias e dos períodos de guerra para os modelos
modernos de redação jornalística. E, ao mesmo tempo, ao ressaltar a
inequívoca relação dialética entre singular-particular-universal, Genro Filho
proporciona uma compreensão mais adequada do contexto (particular), algo
fundamental ao jornalismo, mas que raramente é discutido com a responsabilidade
e reflexão teórica necessárias.
É
comum docentes ensinarem as técnicas jornalísticas como se elas se bastassem,
sem a necessidade de uma explicação epistemológica capaz de sustentar certas regras.
Assim como é comum achar que, por trás da prática jornalística de qualidade,
não é preciso haver teoria. Dissemina-se, tal como se faz desde a década de 60,
que, ao responder às perguntas clássicas, um bom lead é construído e,
por extensão, uma boa matéria jornalística. De igual modo, ao seguir tais
procedimentos, o repórter resguarda-se, na tentativa de atingir a objetividade
e a imparcialidade tão caras ao jornalismo.
3. O jornalismo como forma social de conhecimento
Essa
visão resgata as reflexões do item número um do conteúdo desta aula.
A
questão do Jornalismo enquanto conhecimento, por sua complexidade, admite
muitas interpretações, que podem ser classificadas em três abordagens
principais:
A
primeira delas nasce da definição de conhecimento não como um dado concreto,
mas como um ideal abstrato a alcançar. Uma vez estabelecido este ideal, passa a
ser o parâmetro para julgar toda a espécie de conhecimento produzido no mundo
humano. Cabe lembrar que a Era Moderna, com as fantásticas realizações da técnica
na transformação da vida humana e no domínio da natureza, acabou por realizar o
sonho dos filósofos positivistas de entronizar “a Ciência” como única fonte de
conhecimento digna de crédito.
Uma
segunda forma de abordagem do Jornalismo enquanto conhecimento o situa ainda
como uma ciência menor, mas admite já que não é de todo inútil. Pode-se
utilizar como exemplo desta abordagem o ex-jornalista e sociólogo do
conhecimento Robert Park, que publicou um artigo sobre o tema em 1940. A partir
da perspectiva filosófica do pragmatismo, que abandona o conhecimento como um
ideal, e o observa como um dado da vida humana, ele conclui que as pessoas e as
coletividades lidam simultaneamente em suas vidas com várias espécies de
conhecimento. Assim, Park começa a definir o Jornalismo a partir do que tem de
diferente, do que lhe é específico como forma de conhecimento da realidade.
Uma
terceira abordagem dá mais ênfase não ao que o Jornalismo tem de semelhante,
mas justamente ao que ele tem de único e original. Para esta terceira
abordagem, o Jornalismo não revela mal nem revela menos a realidade do que a
ciência: ele simplesmente revela diferente. E ao revelar diferente, pode mesmo
revelar aspectos da realidade que os outros modos de conhecimento não são
capazes de revelar. Assim, o Jornalismo teria uma maneira distinta de produzir
conhecimento, vinculada à função de comunicação que lhe é inerente. O
Jornalismo não apenas reproduz o conhecimento que ele próprio produz, reproduz
também o conhecimento produzido por outras instituições sociais. A hipótese de
que ocorra uma reprodução do conhecimento, mais complexa do que a sua simples
transmissão, ajuda a entender melhor o papel do Jornalismo no processo de
cognição social.
A
abordagem de Adelmo Genro Filho sobre esse aspecto é ancorada na visão
científica da tríade universal-particular-singular. Para ele, a ciência é uma
forma de conhecimento cristalizada no universal; a arte, no particular. Já o
jornalismo é uma forma de conhecimento cristalizada no singular. Tomando a teoria
lukacsiana como referência, Genro Filho propõe a sua inovadora teoria com base
nestas “três categorias lógicas que representam aspectos objetivos da
realidade”. Ao entendê-la, é possível superar a técnica pela técnica e
compreender melhor a essência do jornalismo e a sua prática. Mas a tarefa,
definitivamente, não é fácil, a de identificar onde está o singular no
Jornalismo. Genro explica: “Como o novo aparece sempre como singularidade, e
esta sempre como aspecto novo do fenômeno, a tensão para captar o singular abre
sempre uma perspectiva crítica em relação ao processo. A singularidade tende a
ser crítica porque ela é a realidade transbordando do conceito, a realidade se
recriando e se diferenciando de si mesma”.
Para
o autor, o singular é a matéria-prima do jornalismo e completa: “(...) o
critério jornalístico de uma informação está indissoluvelmente ligada à
reprodução de um evento pelo ângulo de sua singularidade. Mas o conteúdo da
informação vai estar associado (contraditoriamente) à particularidade e
universalidade que nele se propõem, ou melhor, que são delineadas ou insinuadas
pela subjetividade do jornalista (...)”. Portanto, em cada acontecimento, uma
infinidade de fatos podem ser construídos pelo jornalismo. “(...) os
fatos não existem previamente como tais. Existe um fluxo objetivo na realidade,
de onde os fatos são recortados e construídos obedecendo a determinações ao
mesmo tempo objetivas e subjetivas”.
Fonte: Estácio Textos.
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