quarta-feira, 20 de março de 2013

3 Faces do Jornalismo



De modo geral, a palavra jornalismo significa, hoje, todas as formas quais e pelas quais as notícias e seus comentários chegam ao público. Todos os acontecimentos mundiais, desde que interessem ao público, e todo o pensamento, ação e ideias que esses acontecimentos estimulam, constituem o material básico para o jornalista. As definições diferem de acordo com os pontos de vista segundo os quais são formuladas. Para o cínico, jornalismo é meramente um comércio; para o idealista, revela-se como uma responsabilidade e um privilégio. Veja-se, abaixo, como o jornalismo pode ser abordado:
1. A natureza do jornalismo
Os estudos sobre jornalismo possuem destaque entre as investigações realizadas no campo da comunicação, tendo lugar central na constituição das problemáticas deste mesmo campo, como aponta Christa Berger (2002). No universo comunicacional, os fenômenos jornalísticos são importantes para pensarmos a comunicação no que lhe há de conversacional ou interacional, contextualizando-a na esfera da produção industrial de diversos conteúdos, transmitidos e distribuídos “[...] através de sofisticadas tecnologias, com a função de nortear tanto a organização social quanto o convício social” (BERGER, 2002, p. 139).
Segundo Felipe Pena (2005), o jornalismo está intimamente ligado à necessidade humana de conhecer. “Afirmo que a natureza do jornalismo está no medo. O medo do desconhecido, que leva o homem a querer exatamente o contrário, ou seja, conhecer. E assim, ele acredita que pode administrar a vida de forma mais estável e coerente, sentindo-se um pouco mais seguro para enfrentar o cotidiano aterrorizante do meio ambiente. Mas, para isso, é preciso transpor limites, superar barreiras, ousar” (2005, p. 23).
Nesse sentido, quando falamos de jornalismo, falamos de uma prática discursiva especializada de produção e transmissão de saber. Diferentemente de um relato de viagem ou de pesquisa, o texto jornalístico possui uma maneira ímpar de registrar e contar sobre o que ele conhece ou busca conhecer. Tal discurso é responsável por realizar uma leitura da realidade, atuando de forma a colaborar na constituição do liame social. Seja através da informação, seja através da análise da mesma, o discurso jornalístico assume funções que lhe são socialmente atribuídas e, com isso, incorpora uma série de expectativas (e acordos) por parte daqueles que o produzem e também – ou principalmente – por parte daqueles que o recebem.
O discurso jornalístico sacia um desejo social: o de trocar informações e, conseqüentemente, o de manter-se informado. Os “produtos jornalísticos” permitem aos sujeitos saber o que acontece, situar-se no espaço e no tempo; possibilitam um compartilhamento de um mesmo universo de valores e, com isso, promovem um constante posicionamento subjetivo e intersubjetivo no interior da sociedade.
Independentemente do veículo, do tipo de jornalismo, no interior de várias e distintas construções lingüísticas e formas de representação, não se perde de vista que o jornalismo, sempre, “[...] informa, narra, desvela o mundo.” (BERGER, 2002, p. 139). O jornalismo, no entanto, não está voltado para a “estabilidade” deste mundo. O ponto de convergência entre ambos está, na sua origem, naquilo que irrompe no cotidiano, naquilo que se destaca ou deve ser destacado de uma certa entropia.
Nesse sentido, a relação entre o jornalismo e a sociedade se dá de forma dinâmica e opera conseqüentemente na dinâmica existente em cada um desses âmbitos. Estamos dizendo aí de uma relação de comunicação, de trocas de sentidos e signifi cados, inseridos num processo circular que envolve produção e recepção, transmissões e leituras.

2. O jornalismo como técnica (Adelmo Genro)
Essa vertente baseia-se na visão funcionalista do jornalismo e reduz o seu conceito ao domínio técnico da profissão e a sua capacidade de reportar a informação, desconsiderando-o como campo de produção científica. Essa visão é originária da Escola de Chicago surgida na década de 1910 e caracterizada pela busca de uma ciência social sob base empírica.
Entre seus teóricos, destacam-se Robert Park e Harold Lasswell. Enquanto Park cuidava dos aspectos sistêmicos da sociedade para compreender a prática jornalística interrogando-se sobre sua função de assimilaridade, Lasswell dedicava-se à compreensão da propaganda, iniciando seu trabalho ao analisar a 1ª Guerra Mundial, cujo resultado foi o conceito pioneiro da corrente da Mass Communication Research. Lasswell via a propaganda como um meio de difundir a democracia e promover a adesão da população.
Essa crença de poder total da mídia é o que serve de essência à Mass Communication Research. Entre os dois autores, há uma preocupação comum: analisar a função da comunicação. Essa análise é o que caracteriza a sociologia funcionalista dessa escola norte-americana, estimulada pela fórmula-frase de Lasswell: Quem diz o quê, por que canal e com que efeito? As funções da comunicação, em Lasswell, correspondem à percepção do meio e tudo o que diz respeito a uma comunidade e suas partes, às relações entre os membros da sociedade com vistas à produção de respostas ao meio e à herança social. A essas funções acrescenta-se ainda o entretenimento, conforme outros dois teóricos dessa mesma escola, Merton e Lazarsfeld.
Autores como Adelmo Genro Filho questionam a maneira tecnicista de explicação da prática jornalística cotidiana: “Não obstante, sob o ângulo epistemológico – que é o fundamental – a pirâmide invertida deve ser revertida, quer dizer, recolocada com os pés na terra. Nesse sentido, a notícia caminha não do mais importante para o menos importante (ou vice-versa), mas do singular para o particular, do cume para a base. O segredo da pirâmide é que ela está invertida, quando deveria estar como as pirâmides seculares do velho Egito: em pé, assentada sobre sua base natural.” (GENRO, 1987, P. 191).
Assim, ele discute o mito da pirâmide, até então sustentado na história já conhecida da influência das agências de notícias e dos períodos de guerra para os modelos modernos de redação jornalística. E, ao mesmo tempo, ao ressaltar a inequívoca relação dialética entre singular-particular-universal, Genro Filho proporciona uma compreensão mais adequada do contexto (particular), algo fundamental ao jornalismo, mas que raramente é discutido com a responsabilidade e reflexão teórica necessárias.
É comum docentes ensinarem as técnicas jornalísticas como se elas se bastassem, sem a necessidade de uma explicação epistemológica capaz de sustentar certas regras. Assim como é comum achar que, por trás da prática jornalística de qualidade, não é preciso haver teoria. Dissemina-se, tal como se faz desde a década de 60, que, ao responder às perguntas clássicas, um bom lead é construído e, por extensão, uma boa matéria jornalística. De igual modo, ao seguir tais procedimentos, o repórter resguarda-se, na tentativa de atingir a objetividade e a imparcialidade tão caras ao jornalismo.

3. O jornalismo como forma social de conhecimento
Essa visão resgata as reflexões do item número um do conteúdo desta aula.
A questão do Jornalismo enquanto conhecimento, por sua complexidade, admite muitas interpretações, que podem ser classificadas em três abordagens principais:
A primeira delas nasce da definição de conhecimento não como um dado concreto, mas como um ideal abstrato a alcançar. Uma vez estabelecido este ideal, passa a ser o parâmetro para julgar toda a espécie de conhecimento produzido no mundo humano. Cabe lembrar que a Era Moderna, com as fantásticas realizações da técnica na transformação da vida humana e no domínio da natureza, acabou por realizar o sonho dos filósofos positivistas de entronizar “a Ciência” como única fonte de conhecimento digna de crédito.
Uma segunda forma de abordagem do Jornalismo enquanto conhecimento o situa ainda como uma ciência menor, mas admite já que não é de todo inútil. Pode-se utilizar como exemplo desta abordagem o ex-jornalista e sociólogo do conhecimento Robert Park, que publicou um artigo sobre o tema em 1940. A partir da perspectiva filosófica do pragmatismo, que abandona o conhecimento como um ideal, e o observa como um dado da vida humana, ele conclui que as pessoas e as coletividades lidam simultaneamente em suas vidas com várias espécies de conhecimento. Assim, Park começa a definir o Jornalismo a partir do que tem de diferente, do que lhe é específico como forma de conhecimento da realidade.
Uma terceira abordagem dá mais ênfase não ao que o Jornalismo tem de semelhante, mas justamente ao que ele tem de único e original. Para esta terceira abordagem, o Jornalismo não revela mal nem revela menos a realidade do que a ciência: ele simplesmente revela diferente. E ao revelar diferente, pode mesmo revelar aspectos da realidade que os outros modos de conhecimento não são capazes de revelar. Assim, o Jornalismo teria uma maneira distinta de produzir conhecimento, vinculada à função de comunicação que lhe é inerente. O Jornalismo não apenas reproduz o conhecimento que ele próprio produz, reproduz também o conhecimento produzido por outras instituições sociais. A hipótese de que ocorra uma reprodução do conhecimento, mais complexa do que a sua simples transmissão, ajuda a entender melhor o papel do Jornalismo no processo de cognição social.
A abordagem de Adelmo Genro Filho sobre esse aspecto é ancorada na visão científica da tríade universal-particular-singular. Para ele, a ciência é uma forma de conhecimento cristalizada no universal; a arte, no particular. Já o jornalismo é uma forma de conhecimento cristalizada no singular. Tomando a teoria lukacsiana como referência, Genro Filho propõe a sua inovadora teoria com base nestas “três categorias lógicas que representam aspectos objetivos da realidade”. Ao entendê-la, é possível superar a técnica pela técnica e compreender melhor a essência do jornalismo e a sua prática. Mas a tarefa, definitivamente, não é fácil, a de identificar onde está o singular no Jornalismo. Genro explica: “Como o novo aparece sempre como singularidade, e esta sempre como aspecto novo do fenômeno, a tensão para captar o singular abre sempre uma perspectiva crítica em relação ao processo. A singularidade tende a ser crítica porque ela é a realidade transbordando do conceito, a realidade se recriando e se diferenciando de si mesma”.
Para o autor, o singular é a matéria-prima do jornalismo e completa: “(...) o critério jornalístico de uma informação está indissoluvelmente ligada à reprodução de um evento pelo ângulo de sua singularidade. Mas o conteúdo da informação vai estar associado (contraditoriamente) à particularidade e universalidade que nele se propõem, ou melhor, que são delineadas ou insinuadas pela subjetividade do jornalista (...)”. Portanto, em cada acontecimento, uma infinidade de fatos podem ser construídos pelo jornalismo.  “(...) os fatos não existem previamente como tais. Existe um fluxo objetivo na realidade, de onde os fatos são recortados e construídos obedecendo a determinações ao mesmo tempo objetivas e subjetivas”.
Fonte: Estácio Textos.

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