Sobre a construção social da identidade jornalística, é importante
perceber que nos dias atuais, a participação do jornalismo na transmissão e
interpretação dos fatos e acontecimentos sociais, torna a atividade uma
propulsora de idéias e opiniões em relação à realidade cotidiana. Os
profissionais que fazem parte da comunidade interpretativa jornalística formam
um contingente que organiza sua atividade pautada em características e
concepções não só pautadas pela realidade que apresentam, mas por
interpretações próprias de seus participantes. Assim, o mundo dos jornalistas
tem merecido atenção não só dos pesquisadores, mas também da sociedade em
geral, que o concebe a partir de uma determinada perspectiva.
Travancas (1992) num estudo sobre a identidade do jornalista e em
que ela está na ancorada oferece interessante pistas sobre o tema. Por exemplo,
o fato de determinadas carreiras significarem bem mais do que uma atividade de
emprego na vida de seus profissionais, gerando um envolvimento que resultará
num estilo de vida e numa visão do de mundo específicos. É o caso do
jornalista. Assim, a aquilo que surge como possível manifestação de um ideal
nobre pode também recobrir uma visão mitificada e romântica dos jornalistas e
do jornalismo ou, em todo o caso, exprimir uma dificuldade de refletir de forma
mais complexa e menos dicotômica a relação da atividade profissional com as
condições concretas do seu exercício.
Assim, o conteúdo deverá ser apresentado a partir da exposição dos
seguintes pontos:
1) A visão mitificada do jornalismo
Expressões que se ouvem por ai, tais como: “Cães de guarda da
sociedade'', “princípio da responsabilidade social'', imprensa como o “Quarto
Poder'' estão ligadas ao ideário romântico do jornalismo. De acordo com essas
concepções, o jornalista teria um status diferenciado das demais profissões.
Ele estaria, por princípio, comprometido com a sociedade - que lhe delega o
poder de fiscalizar as instituições em seu nome - e com os valores
democráticos.
Bill Kovach e Tom Rosenstiel (2003) elaboraram uma lista com nove
itens fundamentais para o exercício da profissão e que ilustram bem esse
espírito de missão: A primeira obrigação do jornalismo é a verdade. 2. Sua
primeira lealdade é com os cidadãos. 3. Sua essência é a disciplina da
verificação. 4. Seus profissionais devem ser independentes dos acontecimentos e
das pessoas sobre as que informam. 5. Deve servir como um vigilante
independente do poder. 6. Deve outorgar um lugar de respeito às críticas públicas
e ao compromisso. 7. Tem de se esforçar para transformar o importante em algo
interessante e oportuno. 8. Deve acompanhar as notícias tanto de forma
exaustiva como proporcionada. 9. Seus profissionais devem ter direito de
exercer o que lhes diz a consciência.
Em contraposição à visão acadêmica, a formação mitificada da
identidade jornalística manifesta-se, principalmente, pelos seguintes aspectos:
a) Efeito dos filmes norte-americanos: aura de prestígio com a
idéia de cosmopolitismo, convívio com os poderosos e/ou importantes, vida de
emoções e aventuras, contato com o lado escondido da sociedade.
b) Efeito de outras narrativas que construíram a idéia do
jornalista como: cavaleiro andante e justiceiro, escritor, polícia e vigilante,
juiz, militante.
2) O papel social do jornalismo
O jornalismo tem quatro razões de ser fundamentais: informar,
interpretar, orientar, entreter. Ele realiza outras funções importantes como a
circulação de anúncios e a difusão de um grande volume de informações e
comentários que dificilmente podem ser enquadrados no conceito geral de
notícia. Difundir notícias é o primeiro objetivo do jornalismo. Como definiu a
Sociedade Americana de Diretores de Jornais: “a função primordial dos jornais é
comunicar ao gênero humano o que seus membros fazem, sentem e pensam”.
É em virtude desta função de noticiar que o jornalismo goza da
proteção das constituições federal e estaduais. A sociedade dá sua proteção à
Imprensa devido à responsabilidade desta em fornecer as notícias.
A discussão do papel social do jornalismo passa pela dimensão
ética que, segundo Eugênico Bucci (2000), o jornalista tem para com a sociedade
a responsabilidade de: auxiliá-la em suas decisões, enriquecê-la culturalmente,
colaborar com o fortalecimento da cidadania, divulgar aquilo que de alguma
forma possa contribuir para a ela, denunciar o que possa vir a ser prejudicial
e, sobretudo, se responsabilizar por tudo o que divulga. Para ele, devemos
“pensar o jornalismo como um ofício que, acima de tudo, não é uma técnica, mas é
(e deve ser) uma práxis ética”.
Da visão acadêmica sobre a identidade jornalística, podem-se
destacar os seguintes aspectos:
a) A questão da liberdade de imprensa: com a teoria democrática,
os jornalistas assumiram o papel de porta-vozes da opinião pública, dando
expressão às diferentes vozes, vigiando o poder político contra os abusos dos
governantes e fornecendo informações para o exercício cívico. Assim, o
jornalismo faz valer o Direito à Informação. Isto é, cabe ao jornalista obter e
fazer circular a informação. O público tem direito a informação, e esse é o
ponto crucial na formação de uma sociedade mais crítica.
b) A credibilidade jornalística: a idéia de credibilidade
jornalística é antiga, remontando ao século XVII, quando se tornaram mais
comuns os periódicos com notícias e informações. Com o passar dos séculos, os
jornais deixaram de ser opinativos para transformarem-se em empresas
jornalísticas que noticiam informações do mundo social, conseguindo assim se
aproximar de um maior público (conforme se observou na segunda aula). Com isso,
o jornalismo ganhou credibilidade. E o jornalista passou a ser o profissional
capacitado para escrever de modo diferente e não comprometido com interesses de
qualquer grupo social ou político. Neste ponto, repousa a idéia de
imparcialidade e verdade. Ou seja, a técnica jornalística é baseada no
princípio da neutralidade e, portanto, o jornalista deve manter-se neutro
diante daquilo que noticia. No entanto, é comum identificarmos a imparcialidade
de discursos tendenciosos nos meios de comunicação com o intuito de favorecer
algum conglomerado político ou empresarial diante a opinião pública.
c) A promoção do bem comum: Bahia (1990) acrescenta que o
jornalismo, além de difundir informação, deve promover o bem comum e estimular
a troca de idéias, pois é seu “dever mostrar a realidade por trás da
aparência”. Assim, o jornalista legitima seu papel social agindo em defesa do
interesse coletivo e do bem comum. Campbell (1991) observa que os repórteres
assumem a função de mediador entre os acontecimentos e o público, legitimando a
imprensa como instituição de poder no campo social. Esse processo de
autoconstrução dos profissionais como enunciadores privilegiados da verdade do
mundo se relaciona com a formação da autoridade cultural dos jornalistas. Para
Zelizer (1992), os jornalistas atuam como porta-vozes legitimados e confiáveis
da verdade do mundo, uma "verdade" que não poderia ser ofertada ao
público não fosse a atuação da imprensa.
3) O lugar do jornalismo público e cívico
O conceito “jornalismo público” ou “jornalismo cívico” surgiu nos
Estados Unidos, em 1990, criado pelo David Merrit, editor-chege do Wichita
Eagle, da cidade de Wichita (Kansas). Entre outros fatores que contribuíram
para o seu surgimento, estava o declínio da leitura de jornais, mas os seus
objetivos principais não estavam relacionados a problemas econômicos, mas
sociais e comunitários, entre outros, a necessidade de motivar os
norte-americanos para o voto, que para eles é facultativo.
Identificado em suas origens ora como civic journalism, ora
como public journalism, o jornalismo público ainda não encontrou no
Brasil nem uma tradução definitiva nem uma compreensão do que ele representa
enquanto função, área de cobertura e campo profissional. Há indicadores, no
entanto, de que algumas práticas jornalísticas da chamada “grande imprensa”
brasileira começam a assentar as bases para o que, entre nós, poderia vir a se
chamar de jornalismo público.
É interessante notar que embora a imprensa brasileira tenha importado
modelos e jargões, sobretudo os norte-americanos, não está fazendo, no caso do
jornalismo público, uma simples cópia ou mesmo uma adaptação de um paradigma
que se possa considerar pronto e acabado. Dessa forma, pode-se dizer que, no
Brasil, o jornalismo público está emergindo com características próprias e, ao
contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, não houve, aqui, intenções e ações
visando especificamente fundar uma categoria jornalística.
Original: Estácio Textos.
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